Mistérios da “Câmara Nupcial”

Há décadas a cultura ocidental vem sendo sacudida em suas crenças religiosas com as descobertas sucessivas de papiros e escrituras dos primórdios cristãos.

Biblioteca de Nag Hammadi Egito Gnósticos Gnosticismo
Local da descoberta da biblioteca no Egito. Fonte: Wikipédia

A descoberta dos códices de Nag Hammadi (um grupo de textos antigos encontrados em uma urna), no Alto Egito cerca de sessenta anos atrás, provocou alguns debates sobre os fascinantes mistérios do cristianismo primitivo. Uma das questões mais intrigantes para os estudiosos é o mistério do “sacramento da Câmara Nupcial”, descrito especificamente no Evangelho de Filipe como um meio para atingir ao Cristo.

Esses mistérios também estão presentes no evangelho “A Exegese da Alma” assim como no Evangelho de Tomé, Evangelho dos Egípcios, Hipótese dos Arcontes e muitos outros.

“Do céu, o Pai lhe enviou o seu homem, que é o irmão dela, o primogênito. Então o noivo desceu até a noiva (…) E ela se purificou na câmara nupcial (…) Pois desde que aquele matrimônio não é como o matrimônio carnal, aqueles que forem ter relações sexuais um com o outro serão satisfeitos com aquela relação sexual. E como sendo uma obrigação, deixarão para trás o aborrecimento do desejo físico e virarão suas faces um do outro[…] Mas assim que estiverem unidos um com o outro, eles se tornarão uma única vida (…) Esse matrimônio os colocou juntos novamente e a alma foi unida ao verdadeiro amor dela (…)”

A Exegese da Alma

Apesar das referências explícitas a relações sexuais nos textos de Nag Hammadi, alguns estudiosos insistem em interpretar esses textos com o dogma cristão oficial, vendo o sacramento da Câmara Nupcial como uma união alegórica. 

Em todo caso, a descoberta de que o cristianismo tem em suas raízes o ato sexual como algo sacro (sagrado e poderoso) e que o próprio Jesus o tenha  praticado como um sacramento e um caminho espiritual, ainda que possa soar assustador para muitos de nós é uma evidência que amplia sobremaneira a apreensão da mensagem cristã. 

É obvio que em uma sociedade tradicional que foi levada a pensar que o sexo é algo pecaminoso, nada mais conveniente que atribuir a Jesus a condição de celibata.

Contudo não é apenas o dogma do sexo como sinônimo de pecado o que não permite-nos uma apreensão de um Jesus como um homem normal. Perceber Jesus como um homem que um dia teria sido como qualquer outro, e que por um trabalho espiritual chegou a Cristificação destruiria uma imagem de Jesus  divinal desde a concepção, inumano, intocável e inatingível.

Papiro apócrifo de João
Papiro contendo o Apócrifo de João, século II. Museu Copta do Cairo. Fonte: Wikipédia.

A história do cristianismo

Devemos ainda observar que a datação por carbono 14 indica que alguns códices de Nag Hammadi, como o Evangelho de Tomé, são possivelmente anteriores aos evangelhos canônicos do Novo Testamento, o que significaria dizer que estes evangelhos, censurados pela igreja, podem contar mais sobre o início do cristianismo e toda sua diversidade do que os quatro evangelhos contidos na Bíblia.

Mary Sharpe, professora da Universidade de Cambridge nos EUA e especialista em Teologia e História das Religiões, em sua tese intitulada “Sexuality and the Sacred in Gnostic Literature”, afirma que o “sacramento da Câmara Nupcial”, mencionado nesses evangelhos apócrifos, faz referência sim à união sexual carnal de um casal, mas não como um ritual de fertilidade e muito menos para produzir a prole física.

Amor divinal e segundo nascimento

O Sacramento da Câmara Nupcial parece ser antes de mais nada um segredo, um mistério que mostra uma concepção imaculada do sexo, resultante de um amor divinal. Esta concepção levaria ao tão procurado segundo nascimento do qual Jesus fala a Nicodemos quando o que se nasce é o Cristo Interior, o Filho do homem. 

“Se há uma qualidade oculta no casamente de mácula, o que de mais existe no casamento imaculado é um verdadeiro mistério.

Os mistérios da verdade são revelados, mas em tipo de imagens. A câmara nupcial, entretanto, permanece oculta. É o Sagrado do Sagrado.

Mas os mistérios daquele matrimônio são consumados no dia e na luz. Nem esse dia nem sua luz jamais se põem. Se alguém se tornar um filho da câmara nupcial, ele receberá a luz.”

(Evangelho de Filipe)

O poder da criação

Antes de mais nada, os mistérios da Câmara Nupcial nos relembram o poder de criação que nossa energia sexual possui, pois quando um casal está unido ele tem poder de criar como Deus, e dar vida a outros seres humanos. Os mistérios da Câmara Nupcial indicam que essa energia poderosa deve ser usada também para nosso caminho espiritual.

“Todos estarão vestidos de luz quando entrarem no mistério do sagrado abraço. Este sagrado abraçar oferece retorno ao estado edênico em que Adão e Eva ainda não tinham sido levados.”

(Evangelho de Filipe)

A aparente incompatibilidade existente entre o “sagrado” e a “sexualidade” estão expressos de uma maneira universal num dualismo que é evidente na maioria dos escritos espirituais e filosóficos. O segredo da união destes dois polos aparentemente opostos em um só ato, nas palavras de Samael Aun Weor: guarda a chave da Auto-realização, o grande tesouro gnóstico escondido no fundo de todas as religiões arcaicas, os mistérios do Maithuna, constituídos na união do homem e da mulher sem mácula. 

“É necessário compreender o que são as imaculadas concepções, é necessário saber que só com o Matrimônio Perfeito nasce o Cristo no coração do homem.”

Samael Aun Weor

“É da água e do fogo que a alma e o espírito vieram a vida. É da água, do fogo e da Luz que o filho da câmara nupcial [veio a vida].

O batismo é o prédio “sagrado”. A redenção é o “sagrado do sagrado”. O “sagrado do mais sagrado” é a câmara nupcial. O batismo inclui a ressurreição e a redenção: a redenção acontece na câmara nupcial.

Aquele que foi ungido possui tudo. Possui a ressurreição, a luz, a cruz e o Espírito Santo. O Pai o ofereceu isso na câmara nupcial.”

Trechos do Evangelho de Filipe

“E havia três que andavam com o Senhor: Maria, sua mãe, sua irmã e Madalena, aquela que era chamada sua companheira.

E a companheira do Salvador era Maria Madalena. Cristo amou Maria mais do que todos os discípulos, e costumava beijá-la frequentemente na boca. Os demais discípulos se ofendiam com isso e expressaram seu descontentamento. Eles disseram “Por que você a ama mais do que a nós?”. 

O Salvador respondeu-lhes, “Por que eu não vos amo como a amo?”.

Grandes são os mistérios do matrimônio pois sem ele o mundo não existiria.(…) pense no relacionamento pois ele é sagrado (…)”.

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