É de sensível atenção como problemas modernos encontram eco nas mais tradicionais escolas do conhecimento presentes na história de nossa civilização.
Floresceu entre os séculos V e VI a.C. a mais elevada filosofia, verbalizada nos diálogos da obra platônica A República. Foi por intermédio dela e em diálogos de singular beleza e profundidade que Sócrates falou para a humanidade.
Coisas belas e o fascínio
Numa de suas histórias, caminha pelo Mercado de Atenas, reconhecido comércio daqueles tempos idos, no qual teve o cuidado de observar a quantidade de itens disponíveis para o cidadão ateniense. Naquele ambiente – como não poderia ser diferente – ninguém saía sem algo em suas mãos, ainda que meramente decorativo.
O filósofo, contudo, caminhava entre as bancas e propagandas, refletindo em cada item sedutor ao alcance de sua vista, sempre mantendo-se em reflexão: “qual a real utilidade desta ou daquela coisa em minha vida?”
Finalizou o caminho sem adquirir nada. Esta singela passagem deixou como legado uma das mais belas frases socráticas, aquela que diz: “tantas coisas belas das quais não necessito.”
A vida moderna,
com seus compromissos e rotinas, tem nos mantido em profundo estado de identificação com o mundo da matéria. Identificar-se é um processo silencioso de esquecimento de si, origem de muitas desarmonias. No lar, este processo culmina em problemas de toda ordem, desconstruindo relacionamentos, temperamentos, famílias.
Neste cenário inóspito, retomar a capacidade de discernir é ferramenta das mais elevadas. Isso passa por chaves preciosas, como a temperança e moderação. Em seus sentidos mais amplos, anunciam a capacidade de autoconhecer-se, promovendo o equilíbrio de suas próprias vontades. É o triunfo de Sócrates frente as paixões do mercado ateniense.
Quantas coisas aderem-se a nós sem a real necessidade? Quantos problemas poderiam ser evitados se tivéssemos desenvolvida a capacidade de dar-nos conta do que temos, do que sobra, daquilo que falta. Em palavras breves, auto-observação psicológica, adentrando num universo inteiro de conhecimentos que repousam em nosso interior.
Viver é um processo extraordinário no qual se encontra a convivência
A arte de conviver tem como ginásio mais exigente o Matrimônio, que transcorre no interior de um núcleo chamado lar. Há muitos caminhos para se encontrar a harmonia neste ambiente, sendo a capacidade de se comunicar um dos principais. A palavra, quando em acorde com nosso centro emocional superior, cria estados adequados de consciência.
Os sistemas contemporâneos têm colocado o Homem e a Mulher com seus próprios interesses, transformando o lar num abrigo de competidores. O elo comum da harmonia, qual seja o amor, tem se desfeito pela necessidade do mais, ausência de tempo, desalento.
O Matrimônio Perfeito
O casal é um corpo só, uma só nota, não são coisas distintas, equidistantes. O Matrimônio é a real consubstanciação de um Ser que ama mais, outro que ama melhor, conforme melhor definição do filósofo e antropólogo Samael Aun Weor, autor da obra O Matrimônio Perfeito.
Ao evitamos, por exemplo, a comunicação meramente reativa, quando desenvolvemos a capacidade de ouvir e ponderamos palavras ásperas, dissonantes, quando por intermédio de superesforços somos capazes de esperarmos os estados emocionais mais adequados para estabelecer canais de diálogo, damos um passo importante no triunfo dos mais distintos ambientes de convivência, sendo o Lar o principal deles.
Chave SOL
Em qualquer cenário, frente às circunstâncias mais exigentes, quando a consciência dorme e somos manejados por nossos sentimentos como marionetes, façamos perguntas breves e profundas a si mesmo, em estado reflexivo: quem sou? O que estou fazendo? Em que lugar estou?
Conhecida como Chave SOL, esta prática simples promove um choque de consciência, uma leitura e elevação de nosso estado de ânimo. Passamos a perceber, se aplicada corretamente, aquilo não estávamos vendo. É uma prática que conduz ao despertar da consciência, pois estar adormecido nos torna pessoas perigosas.
O consumo
Fizemos um caminho singelo até aqui, a fim de compreendermos que o fascínio com a vida material anula em nós a capacidade de discernir, fazendo com que acumulemos mais do que precisamos.
O consumo tem sido uma fuga de nós mesmos, quase que um comprimido alucinógeno para nossa alma, criando problemas que potencializam o distanciamento do casal, dificultam a convivência, obstaculizam a temperança, rompem as linhas de comunicação.
A partir daí, são inúmeros os problemas criados, sendo o econômico um dos principais, impedindo que a harmonia permaneça naquele relacionamento ou mesmo no lar.
Do que realmente necessitamos?
Quais são os elementos ou momentos que realmente preenchem e acariciam nosso espírito?
Ter, adquirir, consumir não são sinônimos de liberdade. Ao contrário, sinalizam uma prisão para a mente, para nossos sentimentos e até para o corpo físico.
Entramos mesmo numa prisão voluntariamente, como num quarto escuro, perdemos as chaves e as chances de compreendermos o que realmente tem valor nesta efêmera vida que levamos. Por não sabermos mais o que importa, entregamos coisas preciosas – essas, sim, os verdadeiros tesouros! – como a harmonia, o contentar-se com o que se tem, a felicidade de um dia simples a dois, o sorriso e o crescimento de nossos filhos, o jantar numa mesa em família etc.
E aquele pássaro que sobrevoava florestas, campos e planícies, quase que dono do sol e do vento, entendeu que na gaiola havia comida e água fresca. E por acreditar que não mais precisava voar para buscar seu alimento, viu na gaiola seu sustento, encontrou na prisão uma imagem de liberdade. Fez da falsa segurança seu melhor cárcere. A portinhola fechou, a comida até continuou … mas a vida nunca mais seria a mesma num espaço tão pequeno e limitado. Seu canto terminou.
Acreditamos que um dia, não num desses como tantos outros, mas num dia especial, possa o pássaro dar-se conta de que entrou por sua própria vontade e só por intermédio dela, a vontade, poderá sair e conhecer de novo o Sol, o Vento, a Liberdade.